Fórum “Geopolítica da Guerra”

15 Maio - Grande Auditório A Moagem – 21h00
Moderador
Fernando Paulouro – Director do Jornal do Fundão
Oradores
Vice Almirante Alexandre Reis Rodrigues - Antigo Vice-Chefe do Estado Maior da Armada
Prof. Doutor Hélder Santos Costa – Professor Catedrático do ISCSP da Universidade Técnica de Lisboa
Doutor António Paulo Duarte – Investigador do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa
Dr. João Sende e Castro - Licenciado em RI, participante em diversas missões internacionais, é actualmente vereador da CM de Cascais
Dr. Paulo Fernandes – Vereador da Cultura da CMF

O Fórum romano ou a Ágora grega eram na época clássica uma parte essencial da Polis, o centro do poder, onde as necessidades basilares da sociedade como hoje a conhecemos - Política, Religião, e Economia - estavam reunidas.
Actualmente a expressão “Fórum” é associada a canais de conversação e discussão na internet, que embora proporcionem a troca de informação e opinião em grande quantidade, nem sempre são cientificamente fiéis.
O fórum “Geopolítica da Guerra” juntará pessoas provenientes de várias áreas, que durante a sua vida, directa ou indirectamente, estiveram ligados à Guerra, desde personagens nos cenários de guerra, como militares, jornalistas, políticos, a pessoas que dedicaram parte da sua vida à informação ou estudo. E que por isso estão habilitados, durante uma conversa informal, a formularem opiniões, e em conjunto, entre si, e o público, formularem conclusões válidas, produto de pensamentos coerentes.

Recorte de Introdução

A Geopolítica é um saber de recente extracção, visto não ter mais de um século e meio. Nasceu numa era de imensa expansão do Homem pelo espaço, conquistando e dominando toda a orbe. Tinha por fito principal a análise das relações das comunidades humanas com o espaço de poder, verificar das ligações entre a pujança de determinadas comunidades e o espaço que subordinavam e punham ao seu serviço. Desde o início que a Geopolítica, de certo modo, se relaciona com o conflito e com a guerra. Relacionar o espaço, o poder no espaço e as comunidades viventes neste, impulsionava fatalmente o saber geopolítico para a dissecação das relações do espaço, físico e humano, com a conflitualidade. A intervenção proposta tem por fito evidenciar a relação que, desde o início houve, no saber da geopolítica, entre a sua visão do espaço e o conflito, a guerra inter e intra-comunitária. Por isso, apresentar-se-á uma breve visão da relação que a geopolítica, desde Ratzel e Mackinder até à actualidade, desenvolveu entre o espaço de poder e a conflitualidade/guerra.
Na origem da Geopolítica está a questão do poder: como explicar a tectónica dos grandes poderes, a sua ascensão e queda. E, em simultâneo, está uma forma de responder: a relação que as comunidades engendram com o espaço que as rodeia e envolve. Para Ratzel, como para Kjellen, os dois primeiros verdadeiros geopolíticos (cabe ao segundo a invenção da palavra), o espaço influencia e é influenciado pelas comunidades que o habitam e que o potenciam e virtualizam. Quanto maior for a rentabilização das qualidades intrínsecas do espaço por cada comunidade, maior a sua capacidade de crescer e por conseguinte, maiores as possibilidade de expansão dessa mesma colectividade. As fronteiras, para os geopolíticos, desde o início da geopolítica, é uma linha que traça as capacidades de expansão das comunidades políticas. Ela, não é natural, mas deriva da dinâmica de cada comunidade política na relação que tem com as adjacentes. As comunidades políticas mais adaptadas ao seu espaço, naturalmente, tenderão a espraiar-se pelas terras alheias.
Para os geopolíticos e para a geopolítica, desde o princípio, por isso, o conflito e a guerra têm origem nas relações dinâmicas que cada comunidade política cria com o espaço. Na sua percepção, o conflito resulta de uma dinâmica, de um conjunto de dialogias que relacionam a comunidade com todo o espaço em que se insere. As comunidades políticas que melhor rentabilizam a sua relação com o espaço, tendem naturalmente a alargar-se à custa daquelas que menos o aproveitam. O “espaço vital” de Ratzel significa isso mesmo. As comunidade dotadas de ampla vitalidade requerem mais espaço, tendo, de forma natural, tendência a usurpá-lo aqueles que menos o aproveitam. Por isso, a linha que traça a fronteira é dinâmica e quase que biológica. Ela reflecte o organicismo das comunidades políticas.
Neste contexto, a guerra é uma deriva da luta pelo “espaço vital”.
Claro que o conceito de “espaço vital”, utilizado pelos Nazis para legitimar a sua política de expansão e a “guerra de aniquilamento” que desenvolveram, tornou a geopolítica suspeita aos olhos dos vencedores da II Guerra Mundial. Sem que tivesse deixado de ser utilizado, o saber geopolítico foi, de certo modo, camuflado noutros saberes: as Relações Internacionais, a História, a Estratégia, a Geografia Política, por exemplo. Seria preciso esperar pelos anos 70/80, principalmente com a valorização de um insuspeito geopolítico do início do século XX, o inglês Halford J. Mackinder, pelos pensadores anglo-saxónicos, para que a geopolítica ganhasse de novo alforria no universo do estudos sobre o conflito e sobre a relação complexa das comunidades políticas com o espaço.
A relação que as comunidades políticas criam com o espaço, por ser dinâmica, é intrinsecamente conflitual. A geopolítica, tem por isso, na sua origem, na sua génese, uma relação de profunda intimidade com a guerra. Na verdade, a geopolítica trata do guerra. A relação que as comunidade políticas criam com o espaço é uma relação de poder, poder de rentabilizar o espaço em seu proveito, e a virtualização do espaço em seu benefício é uma relação de poder. Ora, onde há poder, há guerra. A guerra é um acto de poder. Toda a guerra, diz Clausewitz, tem por fito submeter o outro à minha vontade. Coagir é afirmar o poder, é submeter o outro à minha vontade, é aboli-lo, como diz Mia Couto, pois abolir o outro, é destruir a sua vontade, aquilo que faz o ser, o que faz ser (o Homem é, essencialmente, volição, dizem os filósofos).
Há por isso, alguma redundância, em falar de uma geopolítica de guerra. No seu mais profundo âmago, a geopolítica trata sempre da guerra. E é por isso que a geopolítica começou a ser tão revalorizada nos anos setenta e oitenta do século XX. Questionar a guerra, interpelar a guerra é um convite ao estudo e ao conhecimento da geopolítica.
Os Homens vivem no espaço. O espaço é o meio que os envolve. A utilização do espaço fornece-lhes recursos e dá-lhes vantagens. Algumas comunidades políticas rentabilizam melhor os recursos que outras. Os próprios recursos, com a evolução do Homem, vão sendo mais ou menos valorizados. O domínio de determinados recursos favorece mais umas comunidades políticas que outras. O espaço adquire por isso uma dimensão qualitativa, que emerge como uma vantagem ou desvantagem. Na dialogia da relação dos Homens com o espaço surge a disputa, o conflito, por fim, a guerra pura e dura. É um choque pelo “espaço vital” de Ratzel.
Todos os dias, quando os Media falam de conflitos, não há um que não refira uma dinâmica geopolítica, uma relação dos contendores com uma disputa em redor do espaço. Há anos, alguém observou que de todos os Impérios do Egipto Antigo, o que mais relações teve com o exterior foi o Império Novo. Sintomaticamente, foi o mais belicoso, aquele que mais marcas deixou nos monumentos de uma cultura agónica, de uma cultura de guerra.
Onde há muitos Homens, o espaço escasseia, e onde o espaço escasseia há guerra. Em suma, eis a essência da geopolítica.


António Paulo Duarte
Instituto de História Contemporânea

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