A Revolução

«Bisogna cambiare tutto per non cambiare niente»
Giuseppe Tomasi di Lampedusa, Il Gattopardo

No Abecedário de Gilles Deleuze com Claire Parnet, a reflexão por este operada em torno da "Esquerda" passa justamente pelo problema da revolução. Deleuze afirma o falhanço das revoluções históricas, contrapondo o devir-revolução. Tragicamente a História está povoada de simulacros revolucionários, mesmo aqueles que nos parecem tão reais, tais como a Revolução Francesa, são actos falhados. Falta-lhes sobretudo potência. O eterno retorno clássico, é justamente o resultado de qualquer revolução histórica. Tomemos a citação de Lampedusa, de modo a ilustrar tudo aquilo que já aqui foi dito em torno deste problema. O devir-revolução é uma força de total viragem, uma dobra para fora, destinada a quebrar as linhas de saber e de poder instalados. O devir-revolução é resultado de uma repetição que se dá em diferença e não o caminho paraa morte, ou seja, a sua repetição por semelhança. Estamos destinados ao trágico endgame, nas palavras de Beckett, se a revolução for fruto apenas de uma aparente viragem. O que falta nesta operação? Um povo, sobretudo um povo por vir e nada melhor que a prosa americana do inicio do séc. XX para ilustrar todos os seus desastres. Entre diversos escritores, Melville é talvez o espelho dessa América que nunca foi, mas que cresce e galga nas suas fábulas do sonho americano. O povo português, desde Camões, também vítima de algo que nunca se concretizou. Foram muitos aqueles que sonharam, mas ninguém melhor que Pessoa, soube captar esse desejo de Império. Uma identidade colectiva, não apenas como português, mas como mundo e para além do mundo, o cosmos. Na "Mensagem" encontramos o seguinte verso, "Quem quer passar além do Bojador / Tem que passar além da dor. / Deus ao mar o perigo e o abismo deu, / Mas nele é que espelhou o céu.". O povo português, tal como o americano, nunca conheceu a sua verdadeira identidade, apesar dos motivos serem distintos. Se por um lado, o colonizador foi um tirano feroz face aos índios, os verdadeiros americanos (crítica fortíssima a de Miller em "O Pesadelo do Ar Condicionado"), o português sempre quis ser tiranizado por alguém, começando justamente na imagem de D. Sebastião, salvador da pátria, o Cristo Redentor. Imagem perigosa que povoa uma mentalidade doente portuguesa, que encontrou no salazarismo uma expiação dos seus pecados inacabados. A revolução nunca então existiu, sobretudo agora onde a apatia é geral (traços que reflectem o fracasso dos cravos ainda frescos nas espingardas e nas promessas por um país democrático, onde apenas o que reina continua a ser o terror, de forma infiltrada e mais turva sob o signo de um ditador já sem rosto), mas porque a resposta não deve apenas ser portuguesa, mas europeia, mundial. Num mundo onde o Capitalismo encontra-se, tal como Marx designou, na fase virtual, a resposta deve ser mundial. Nesse sentido, o que falta a cada revolução é o outro e não o artificial construído eu. O que cada Estado representa, são apenas construções fictícias do pecado particular de cada Homem se afirmar na sua individualidade e não no seu desdobramento, que passa pelos povos de África ou da Índia. O que anteriormente citei da Mensagem, é justamente a "dor" de cada Homem despojar da sua propriedade e correr livre para o mar, tal como a água em terra de ninguém. Que partamos para o Tejo, pois lá encontramos verdadeiramente o que há de mais português. Que não sejam as continuas margens a violentarem a nossa acção (tal como invoca Godard em Numero Deux), quando a verdadeira revolução, passa por um devir universal, que na mesma forma, Marx pensou o seu proletariado.

Bernardo Vaz de Castro 
FCSH - Universidade Nova de Lisboa

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