Requiem Necessário à Figura Clássica do Estado - Exercício de Necrologia da Soberania


Requiem Necessário à Figura Clássica do Estado  - Exercício de Necrologia da Soberania

Requiem aeternam dona eis, Domine,
Et lux perpetua luceat eis.


Existe uma relação de causalidade entre o conceito de sociedade e a existência do Direito.
O homem, a entidade que dá à luz ambas as anteriores ideias, é um ser dotado de razão que baseou o seu crescimento no desenvolvimento científico que as suas capacidades potenciavam – chega, por via da ciência, a chamar à sua espécie homo sapiens sapiens.
Por constatação empírica, chegamos à conclusão que todas as gentes, por toda a parte, se organizaram numa estrutura hierarquizada e munida de poder. Sendo que o fenómeno do exercício de poder é dos mais críticos para o impulso e continuação da sociabilidade do “género humano”.
Retiramos duas conclusões: primeiro, os homens não são cândidos, sendo o estado uma entidade indispensável; segundo, diz-nos a economia que os bens são escassos criando conflitos.
Ao encadear estas ideias, somos impelidos a dar como essencial uma ordem normativa que regule as relações entre os homens, que trate da organização da estrutura do estado, da legitimação do poder e da ordem pública. Esta ordem é o Direito! Sendo o único que, pela coercibilidade que pode aplicar, que consegue ter um impacto generalizado no tecido global.
Não se ache que é independente, ou um fruto perfeito do labor de Deus… Ele vive da e para a sociedade, crescendo e materializando-se com ela. E na filosofia, como produto do racionalismo, vai colher as suas opções quando procura soluções verdadeiramente justas e independentes de condicionalismos sociais directamente evidentes. E nem assim é neutro.
A fonte directa pode ser a ética da sociedade, uma determinada ideia de moral, ensinamentos de ordem religiosa ou meramente corporativa, e princípios gerais que a todos se aparentam evidentes e que por isso estão munidos de uma convicção de respeito.
Uma constante na coabitação humana é a tentativa de assegurar os valores da Liberdade e da Igualdade, tão antagónicos… Impossíveis de conciliar absolutamente entre si. Sendo da tentativa da sua conciliação que nascem todas as teorias políticas da história na busca da melhor sociedade.
Numa tradição ocidental, baseada na herança judaico-cristã, somos impelidos a seguir o conceito da dignidade da pessoa humana para alcançar “O Futuro da Humanidade”, nas palavras de Habermas.
A Dignidade de que falamos é uma fonte de valores essenciais e indispensáveis que iluminam a existência humana que funciona, segundo a fórmula Kantiana do imperativo categórico, perante uma conduta ontologicamente finalística.
Chamemos agora o Requiem que aqui tratamos.
Tönnies estudou os conceitos de comunidade e sociedade, sendo que a comunidade em que vivemos vive sob um estigma: a soberania absoluta e decadente, tal como definida por Bodin.
O Estado é uma entidade criada à imagem do homem, tal como o homem havia sido criado à imagem de Deus, iconologicamente um ser com membros e com uma vontade. E que vive no mesmo dilema humano na sua relação com outros Estados: o binómio Liberdade/Igualdade.
Parece-nos que a evolução que houve na visão do ser humano ao longo da história das ideias políticas foi doutrinariamente relevante e crescente, enquanto em relação ao Estado estagnou num ponto perigoso. Vivendo a manutenção da ordem mundial sob o estigma presunçoso da imagem ocidental de interestadualidade, imagem impar de “nações civilizadas” (veja-se o art.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça). Alheando-se das diferenças multiculturais que se criam num planeta com uma população que cresce a uma escala enorme, essencialmente fora da esfera tradicional de produção científica.
O Véu da Ignorância.
Parece indiscutível que se possa dizer de forma consensual que os fins da justiça, segurança e bem-estar são dignos de respeito por todos os sujeitos da cena internacional.
Equacionando o papel do Direito no mundo, há que, aplicando às relações internacionais, subtrair este como a forma de manutenção da ordem perante a salvaguarda de princípios naturalmente bons e que merecem ser sempre salvaguardados: o ius cogens.
A única válvula de escape com as diferenças culturais que existem e que apontam problemas de conciliação graves é a da formulação de direitos gerais e comuns a todos, mormente chamados Direitos Humanos. Superiores à religião e à riqueza.
Um novo mundo está a surgir com países emergentes, até então dormentes, que não têm o mesmo livro de condutas que nós! Não chegámos ao Oriente como ao resto dos povos que culturalmente colonizamos do resto no Mundo. O relativismo axiológico cresce exponencialmente.
Neste momento em que a população mundial cresce, e com ela a fome, em que a soberania de estado é cada vez mais ténue e os processos de globalização aumentam, qual será a postura que o Direito deve ter?
Tal como todos os anteriores, as nossas ideias são meramente isso, ideias. Via de regra, fracas, inacabadas e soltas. Com vícios de linguagem e erros de pensamento. Incapacidades do autor, manias e ignorância. Mas, essenciais para o impulso de novas ideias… Progressivamente mais coerentes.
O caminho que apontamos é o de considerar a soberania como a apresentação de uma dignidade própria de cada Estado, quase como a consagração analógica dos direitos de personalidade que cada um de nós – pessoas – tem.
Veja-se que existe em curso um progressivo processo de rarificação da soberania nacional, pela integração dos Estados em comunidades, associações super e supranacionais, organizações internacionais… Nomeadamente as Nações Unidas! Os princípios desta organização são os mesmos que levaram diversos autores a conceptualizar os diversos projectos de paz perpétua – Sully, Kant, Candenhove-kalergi, Saint-Pierre – pela manutenção da paz através da cooperação e do comércio.
Já Adam Smith propunha um conceito mecanicista de Liberdade e Bentham associava ao comércio uma forma de manutenção da Paz.
= Jus + Naturalismo
“Ser pessoa é respeitar os demais como pessoas”, disse Hegel.
Na sua base está o direito natural, pai do jus cogens e avô dos direitos do homem.
Destarte, o contributo de vários religiosos é fundamental. S. Paulo previa um universalismo pela unidade do “género humano”, quando metodologicamente reflecte acerca das condições da convivência da família das nações, unidas por vínculos de valores comuns. Na sua esteira, S. Agostinho e S. Tomás fundamentam a sociedade internacional sem suprimir a diversidade cultural.
Séculos depois discutiu-se acerca da alma dos indígenas e, no direito internacional, nascem princípios de igualdade, segundo a imagem de Deus – Bartolomeu de las Casas, Suarez, Vitória, Menchaga e de Soto.
É o homem cartesiano que nos poderá levar hoje a um caminho estável, 7 mil milhões de pessoas diferentes que não podem isolar-se… Como dizia Nietzsche, o homem para viver isolado é a negação do próprio homem, Deus ou animal. E vivendo em comunhão o homem não consegue ser anárquico. Tem por algum meio de controlar os conflitos.
O exemplo máximo dos conflitos humanos é a guerra. No entanto, passadas duas de expansão global, e um período de relativa estabilidade, decresce a importância prática que se dá à guerra, típica da Guerra Fria, mas tem de sobreviver a importância fenomenológica que tem de se atribuir à prevenção.
Por todos, passemos um momento a reflectir a crise económica que nos parece atingir e por em causa.  
Em menor escala somam-se mais problemas graves: diversas crises ecológicas, tragédias climatéricas, problemas políticos nacionais que influenciam crises internacionais, questões políticas, económicas e financeiras a nível transnacional.
É por de mais evidente que o xadrez actual já não colhe o mesmo mapa geopolítico clássico. É necessária uma alternativa que tente aliar todos os factores de manutenção do conjunto dos Estados e com respeito por aquele repetido e inesgotável da dignidade da pessoa humana.
Partimos de uma ficção de que o estado é um ser munido de personalidade, quase o conjunto de vontades em Hobbes, que tem um sentido pragmático no seu estar. Criando uma postura extra-fronteiras. E normalmente quanto mais velho mais coerente no que transmite.
A Europa é a mãe das relações internacionais! E, mesmo em decadência, continua a ter para mostrar ao mundo um conjunto essencial de pensamento doutrinário condensado. Por isso podemos dizer, ao lado do banquinho que serve de pelouro como uma qualquer banal pessoa, que não podemos cair em sistemas degenerados: o socialismo nas suas várias vestes, o capitalismo, a autarcia e o colonialismo estão falidos, alguns mesmo moribundos ou mortos.
Temos que negar o egoísmo dos Estados e por isso limitar a soberania. E que a mudança interna não caía no erro da luta de classes ou nos abismos sociais regionais, nacionais e internacionais. Só pela cooperação entre todos os países do mundo, da existência de mercados livres com mercados justos, pelo respeito pelo trabalho e pela propriedade privada e liberdade de oportunidades podemos caminhar num sentido comum.
Termos como submundo, terceiro mundo e países não civilizados são termos são um sinal preocupante das assimetrias da razão. Não nos esqueçamos que o próprio capital tem como justificação de existência em cada cidadão do mundo pelo valor do trabalho e pela valorização da afectação da riqueza de cada um em prol da sociedade.  
Aquilo que são caprichos extraordinários podem ser entendidos em parte como um crime contra a humanidade, a propriedade privada não tem valor se com o seu ganho apenas houver uma deificação pessoal.
As Nações Unidas, símbolo máximo do consenso mundial, do amor à paz deve chamar a si o futuro capaz para a humanidade. É utópico dizer-se que num futuro próximo se vai chegar a uma sociedade única internacional, além de parecer um império mundial de invasão extraterrestre... Mas, a regionalização internacional através de associações de estados soberanos que deleguem parte da sua soberania ou a criação de confederações pode ser um caminho a seguir. Transformando o concerto europeu numa balança mundial.  

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